Silvana Paggiarin Flores, diretora tesoureira do Centro Cultural Escrava Anastácia (CCEA)
Já se passaram mais de duas décadas desde a promulgação da Lei da Aprendizagem (nº 10.097/2000) que, no intuito de colaborar para o combate ao desemprego, também considerou o que preceitua a Constituição Federal de 1988 em seu artigo 227, que atribui ao Estado, à família e à sociedade o tratamento do jovem e do adolescente com absoluta prioridade. Desta forma, a lei passou a ser conhecida como a porta de entrada do jovem para o mercado formal de trabalho. Talvez os legisladores, ainda no clima da Constituição Cidadã, tivessem a intenção maior de que a sociedade se utilizasse da lei como uma ferramenta para ações de verdadeira parceria público privada com a juventude e para o desenvolvimento social. Parece que isso ainda não foi alcançado?
A obrigatoriedade legal a respeito das cotas de aprendiz - imposta somente às médias e grandes empresas e facultativa às demais - favorece a abertura de vagas de aprendizagem nas regiões mais desenvolvidas e mais industrializadas. No entanto, o contexto nacional é de prevalência de Micro e Pequenas Empresas (MPEs).
Em Santa Catarina, por exemplo, segundo o Sebrae, 68,3% das vagas de emprego geradas entre janeiro e julho de 2021 foram por MPEs. Somando-se este fator da existência de maior número de empresas não obrigadas com a falta de fiscalização das que são obrigadas a cumprir cotas de aprendizagem, a situação resultante é que a Lei de Aprendizagem não consegue dar conta do grande pacto social a que veio.
Entre os milhões de brasileiros desempregados, os jovens são os mais afetados em busca de oportunidades, dada a sua falta de experiência e produtividade ainda não testada pelo "mercado". Para mitigar o problema, surgem as capacitações à distância, incentivo ao empreendedorismo, bolsas e projetos sociais com ideias inovadoras e até protagonizadas pela juventude. Se bem analisada, a Lei de Aprendizagem pode ser considerada um grande e contínuo projeto social de inclusão e desenvolvimento, com objetivos claros, metodologia, ferramentas de monitoramento e resultados já comprovados. E esta tecnologia social pode ser replicada em todo o território nacional, já que as grandes parceiras são instituições do Sistema S, escolas técnicas, inclusive agropecuárias e entidades sem fins lucrativos, apresentando condições de capilaridade.
Mas, quais seriam as barreiras a superar?
Primeiro, compreender o aprendiz como "aprendiz e trabalhador", pois é esta a condição que a Lei da Aprendizagem lhe atribui. Como aprendiz, tem o direito a receber qualificação e treinamento para desenvolver habilidades e atitudes que vão gerar a produtividade tão esperada pelo empregador e necessária para o desenvolvimento econômico e social. Por isso, é preciso rebaixar o obstáculo da exigência de experiência prévia, concedendo ao jovem a opção de se aperfeiçoar e aumentar seu capital humano, considerando essa ação como um investimento que elevará os rendimentos futuros.
Atualmente, com a instalação do ecossistema regional da tecnologia, as empresas desejam acelerar a capacitação dos jovens para, só então, "ingressar" neste setor. É compreensível do ponto de vista da produtividade e competitividade. Mas, poderia também ser considerada a possibilidade da utilização da metodologia do Programa Jovem Aprendiz, contratando de imediato muitos jovens, colaborando para um processo sustentável de desenvolvimento endógeno local. Como trabalhador, o jovem aprendiz tem a garantia de ingressar no mundo do trabalho de forma protegida das atividades proibidas para adolescentes, com direitos trabalhistas respeitados e de forma que consiga continuar frequentando a escola, pois somente a educação ensina o jovem a conhecer outros direitos e a compreender seus deveres. É desta forma que o programa Jovem Aprendiz cumpre o papel na formação de cidadãos.
Outros obstáculos a superar são: o Estado precisa direcionar esforços para coordenar o programa de aprendizagem, na cidade e no campo, como uma política pública para a juventude e para o desenvolvimento sustentável, alocando recursos que gerem incentivos às empresas não obrigadas às cotas e para a fiscalização do cumprimento para aquelas que a lei exige.
Um papel importante pode ser desempenhado por entidades representativas dos diversos setores da indústria, comércio, serviços e setor público, incentivando a aproximação entre empresas e instituições formadoras no programa de aprendizagem. Muitas vezes, estes setores se preocupam em apoiar outros projetos de inovação social, esquecendo que o Jovem Aprendiz está ali como uma grande oportunidade de parceria público privada.
Entre as instituições formadoras, estão algumas organizações da sociedade civil sem fins lucrativos autorizadas a prestar os serviços de formação teórica. E são elas que já conhecem o jovem que está à espera de uma oportunidade, sabem onde ele mora, os preconceitos e as dificuldades que eles enfrentam e também as suas potencialidades. É o caso do Centro Cultural Escrava Anastácia (CCEA), instituição formadora que atua no programa desde 2006 na região da Grande Florianópolis.
Pela sua longa experiência, o CCEA vem trabalhando em outros projetos para que os jovens residentes em comunidades de interesse social se preparem para ingressar no programa Jovem Aprendiz, mas também para que as empresas parceiras estejam preparadas para receber um trabalhador em formação e deixem um legado pelo esforço na profissionalização destes jovens de forma gradual.
O desenvolvimento local está sempre associado a iniciativas inovadoras, aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) e ao processo ESG - sigla em inglês para Governança Ambiental, Social e Corporativa. Por isso, é preciso compreender que promover melhorias e apoiar o programa Jovem Aprendiz também é buscar inovação.
* Silvana Paggiarin Flores, diretora tesoureira do Centro Cultural Escrava Anastácia (CCEA)
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